quarta-feira, 15 de março de 2017

[SOU ESCRITORA]








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À primeira vista, são dois termos aparentemente simples e fáceis de escrever ou dizer. Não! Por trás desse par de palavras existe uma atitude difícil de inspirar, formar, nascer, erguer e se sustentar, fôlego que custa a passar pela garganta, enfrentar os lábios e o mundo fora deles. 

Salvo algumas louváveis iniciativas de iniciação e fomento à literatura, desse lado nordestino do mapa, ainda não há uma formação acadêmica, da graduação ao doutoramento, voltada para a escrita artístico/literária, como já existe pelo mundo e no país, a exemplo da PUC do Rio Grande do Sul.

Desde há muito, escrever, por aqui - na Bahia, especificamente, é ofício quase sempre paralelo à carreira jornalística e/ou docente. Fora dessas áreas, escritor@s autônom@s costuram seus caminhos de escrita com muitos fios, pontos e nós, quase sempre produzindo e custeando seus livros. 

Dizer e se sentir escritorA, sim, com esse A maiúsculo, em aberta simbologia à mulher e à criação feminina, custa-nos caro há séculos. Sabemos, ao modo próprio de cada experiência, o que tivemos/temos que aglutinar, abrir mão, esquecer ou unicamente sonhar ao lado do esparso exercício da escrita, não menos significativa por conta dos percalços enfrentados e dos tabus paulatinamente derrubados.

Acredito que esta seja a primeira vez que expresso publicamente a frase SOU ESCRITORA, pois as atitudes e os atos de aprendiz de feiticeira - das artes mágicas da palavra -, exercito desde setembro de 1995, quando estava na universidade, conhecendo por dentro o mundo das Letras. A escrita informal e não artística já praticava desde a adolescência, época dos diários, agendas e cartas. Hoje, mesclo a escrita literária entre o papel/manuscrito, as revistas e os espaços virtuais.

O verbo ser qualificado, que se presentifica na frase, qualifica também cada ser que assume a responsabilidade com a escrita artística. Sim! Trata-se de grande compromisso humano a labuta de modelar palavras arredias, diuturnamente, em e com ideias, pensamentos, imaginação, cores, contornos, pinceladas, fazê-las outras, do avesso, cheias quando vazias, secas quando úmidas, solares quando lunares, cortantes quando líricas, brandas quando quentes, multidimensionais quando rasas, velhas e novas, (re)carregadas de sentidos, simbologias, sons e silêncios... 

Eis aqui uma pequena demonstração do que o ofício e/ou a profissão de escritorA requer do (e produz no) ser que toma pra si uma prática tão humana. Em meio ao que escrevemos vamos nos modificando - leitorA, autorA, fuidorA. E, letra a letra, escrevemos um mundo outro, com os outros. 

Condição sine qua non para enfrentar a vida, a cada palavra (re)modelada, a partir dos idiomas que tentamos domar, vamos nos (re)modelando em seres humanos mais complexos, mais atentos e sensíveis: ao tudo, ao nada, ao imperceptível, ao invisível, ao disfarçado, ao camuflado, ao "óbvio", ao protocolar, ao informal, ao despretensioso, ao velado, ao escondido, ao subliminar, ao maquiavelicamente inventado etc., matérias que fazem morada, queiramos ou não, nas entrelinhas cada vez mais autônomas d@s noss@s escrit@s viv@s.

Através desse texto rendo tributo à Confraria Feminina de Poesia e Artes, associação da qual faço parte, idealizada pela querida Confreira Rita Queiroz, que abre espaço para diversas mulheres - artistAs/escritorAs.


| SÊ.já escritorA |


Andréa do N. Mascarenhas Silva




03/12/2016



Professora de Literatura (UNEB). Edita o Blog literário Arquivos.. impertinentes (Blogspot). Classificou-se em 13º lugar no 'XII Festival de poesia, crônica e conto' (Fund. Cultural de Imperatriz – Maranhão, 2001). Ministra oficinas de criação literária. Publica prosa e verso em veículos impressos e eletrônicos, nacionais e internacionais. Participa do Dicionário de escritores contemporâneos da Bahia (2015) e da versão eletrônica do Projeto Mapa da Palavra.BA 2016 (FUNCEB).
 
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(1) Imagem: https://www.facebook.com/549339315255685/photos/a.549347815254835.1073741828.549339315255685/559747770881506/?type=3&theater

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