segunda-feira, 25 de maio de 2015

[Educação rima com...] Ou Flashes de um ex-menino Ou Efeito cascata






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Hoje, passo pela rua, horário comercial, uma criança pede qualquer desejo ao lado de um carro parado, diante do vermelho sinal. A mãe, ao lado da rodovia, amamenta o filho mais novo. Um senhor passa por perto, sem trocado, oferece um valor pelo bebê e a troca se faz sem matemáticas ou lágrimas. Na outra esquina, um cara de procedência duvidosa arma seus esquemas e já envolve o pequeno pedinte na próxima operação.

Na escola, faltas enchem o diário da professora e mais uma cadeira fica vazia. Todo ano é fácil encontrar uma conhecida pra ir em seu lugar na jornada pedagógica da escola.

Na creche particular matriculam mais um bebê contribuinte, com carnê mensal garantido.

Na casa da mãe de um filho só, finalmente, há menos trabalho e nenhuma fralda pra lavar.

Em frente ao ponto de ônibus o integrante mais novo do grupo não aprendeu a ler e já solta aviõezinhos teleguiados. Em menos de uma semana arma branca tem mais prestígio que brinquedo e já frequenta a porta da escola, já quase abandonada.

Mãe de um filho só senta à porta de seu barraco e lembra da infância. Abandonada antes dos 9 pela mãe. Colaterais efeitos de um analfabetismo congênito - desemprego regado a álcool. Sem parentes, resta a rua. Criança gera criança quando a lei vem dos mais fortes. Não há manuais de sobrevivência sob as marquises. Não há professores nas ruas. Sem lições de amor não dá pra aprender a ser mãe.
Três bocas pra alimentar gera força que movimenta a imaginação.

No rádio da vizinha narram mais uma cena de assalto ao vivo. Muitas pessoas correm pra ver. A escola fecha mais cedo, pois os ladrões são conhecidos do bairro. Ninguém se admira que ainda sejam crianças e jovens os protagonistas da contravenção. Somente a professora liga os nomes às pessoas: os mesmos que levam falta todo santo dia em seus diários. É preciso registrar.

Um dos nomes que o rádio noticia é o do filho mais velho, da mãe de um filho só, e que nem fez 11 anos ainda. O coração se agita, talvez por orgulho, por ver o filho já se virando sozinho na vida. Logo nenhum trabalho extra terá que ser feito, a não ser para si própria. O dono da boca saberia reconhecer o talento do menino, tinha certeza. Nada com que se preocupar.

O vereador promete que um colchão e um filtro dá pra conseguir, pois seu título eleitoral vale ouro e não é nada demais ganhar aquelas coisas logo depois de vender seu primeiro voto. Por coincidência, seu primeiro professor foi o cabo eleitoral que a ensinou votar.

Melhor que ficar debaixo do sol, o dia todo, esperando os trocados arrecadados com os pedidos feitos de carro em carro pelo menino, era ficar no barraco e esperar o que viria sem nenhum esforço seu.

O menino inventa uma escola: vai ensinar aos meninos do bairro como enrolar balas de sonho, fazer aviõezinhos com elas e depois a como vendê-las na porta da escola, que só frequenta do lado de fora.

Enquanto uns aprendem o que ensinam outros criam leis para disseminar a cegueira, o pensamento vendido à prestação, a hipoteca dos sonhos. Tudo sem o povo, nada pelo povo e muito menos para o povo.

Aos 12, o menino... não sabia que era criança, nem quem fazia parte dos livros de História, nem se sua mãe existia mais. Sabia quase tudo sobre armas, sobre os donos da comunidade e nenhuma dúvida sobre o que queria ser quando crescesse.

Aos 12, o menino... protagonizou a maior experiência de sua vida: uma reação em cadeia, em cascata ou efeito dominó, pra ser mais precisa na imagem a ser gerada.

Ainda hoje passo na mesma rua e vejo essa história: o Promotor que fiscaliza se as crianças estão frequentando a escola recebe um valor razoável pelas vistas grossas. A escola particular de seu filho precisa ser paga. A professora continua preenchendo seu diário com faltas e ergue sempre as mãos aos céus pela sala vazia. O dono da boca já tem um jovem sucessor. A mãe de um filho só ninguém mais vê. O vereador agora é deputado. A vizinha troca o rádio pela TV de 50 polegadas, pois é dia de arrastão.

O rapaz que passa na ciclovia se tinge de vermelho céu. É dia de treinar a meninada que vai tomar conta do novo nicho do mercado: o das bicicletas dos desavisados, as mesmas que vão servir pra treinar a gurizada nas Olimpíadas internas do Comando em 2016. É preciso planejamento e sincronia para alcançar os objetivos e as metas traçadas. Afinal de contas, nada cai do céu ou sai de graça...

Há meras coincidências e devaneios tolos neste croniconto, mas, talvez..., ninguém ligue pra isso.


21.05.2015


Andréa do Nascimento Mascarenhas Silva


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